quarta-feira, 11 de julho de 2012

O nascimento do treinamento funcional na Rússia (por Riccardo Rambo)







O nascimento do treinamento funcional na Rússia (por Riccardo Rambo)

Eu bem que gostaria que este título fosse verdade. Estudei na Rússia, fui aluno do Professor Verkhoshansky e sou apaixonado pela cultura russa (“Não se entende a Rússia com a razão / não se mede com medidas comuns / Ela tem forma própria / Na Rússia pode-se apenas acreditar”, verso do poeta Fyodor Tyutchev).
Mas o título não é verdade. Alguns de meus alunos, talvez tocados por essa “paixão vermelha”, podem ter interpretado erroneamente que eu tenha dito isso em alguma de minhas palestras e treinamentos.
Cabe a mim, então, a missão honrosa de uma explicação.

É notável a origem do “sistema de treinamento físico funcional” nos anos 90 por treinadores de força e condicionamento e coparticipação de fisioterapeutas nos Estados Unidos. O objetivo desses intrépidos não era apenas melhorar a performance mas também evitar os riscos elevados de lesão (que eram absurdamente comuns) e, evitar uma limitada adaptabilidade (fazendo com que o organismo humano pudesse melhorar em níveis cada vez mais altos e, de forma contínua).
Um sistema de treinamento “diferente” do que existia precisava ser “descoberto” para melhorar a função, com o propósito de adequar o treino ao corpo (articulações, músculos, fáscia, sistemas energéticos, etc.) e a pessoa (características e necessidades em relação a tarefa, no caso, atletas).
Para isso foi observado 3 pontos fundamentais (princípios?): os meios e métodos de preparação física (que eram sabidamente eficientes na preparação física de atletas ao longo da história), anatomia funcional e biomecânica (comportamento do corpo durante o movimento) e, conhecimento da fisioterapia da origem de lesões (fortalecendo os elos fracos que as causavam). Nasceu então, o treinamento funcional!
Mas como uma gestação, os primeiros profissionais levaram anos para formatarem o que hoje compreendemos muito bem. Nestes anos (de tentativas, erros, insigths, estudos e, muita prática) houve uma “brecha” para interpretações erradas, sensacionalismo e aplicações do “sistema” (formado por princípios, meios e métodos de treinamento) sem conhecimento teórico ou prático por vários “experts” (pessoas com pouca e duvidosa experiência em treinamento).

Do outro lado do mundo, atrás da “cortina de ferro” (na terra da vodca, da balalaica, da matrioska, de Tolstói e Dostoiévski, de Pasternak, dos Montes Urais, de Stalin e Lenin, de Gagarin e Laika, do Sputnik e da AK-47, do Kremlin e do Bolshoi, da lealdade e da resiliência, da Isinbayeva...), estavam a maior quantidade de atletas mais bem preparados que o mundo conheceu, formados por uma cultura física séria e de elevada importância na sociedade. Dessa cultura vem o treinamento desportivo que se fortalece metodologicamente nos anos 40(!) e na preparação para as Olímpiadas de Helsinque (1952).
Daí surgiu: o levantamento de peso olímpico; a “pliometria” (termo tecnicamente incorreto, mas esta é outra história!); a “PFG” (preparação física geral com exercícios usando próprio corpo que as pessoas em condições de combater em guerras faziam para desenvolver força, resistência, mobilidade e melhorar a saúde); o treino de força máxima; a bioquímica; o gyria (kettlebell); a força explosiva; o treinamento de músculos estabilizadores do centro; o aquecimento dinâmico; as massagens e terapias complementares para a recuperação e tecidos moles; a periodização de Matveev e; o salto profundo, a força explosiva, a correspondência dinâmica dos meios de treinamento para o gesto desportivo, a programação de treinamento e o sistema em blocos de Verkhoshansky.
Isso tudo foi bem documentado pela literatura (mas ficou “escondida” do Ocidente até a Perestroica, em 1991). O auge dessa cultura parece ser os anos 70 e 80 e tem como marco a Olimpíada de Moscou.
Estudando sobre o assunto encontrei passagens do Zatsiorsky e do Verkhoshansky que achei muito interessante:



“A limitação importante de muitos aparelhos de treinamento de força é que eles são desenhados para treinar músculos e não movimentos. Devido a isso, eles não são a ferramenta mais importante no treinamento de atletas” (Zatsiorsky, Ciência e Pratica do Treinamento de Força, 1ª edição, página 117-edição em português e página 80-edição em inglês).
“O Método Conjugado que eu sei que foi inventado em 50 pelo meu professor, o famoso treinador de salto em altura V. Djachkov. Foi uma brilhante ideia usar os exercícios de força especiais para melhorar a técnica dos atletas. Pela primeira vez na metodologia de treinamento desportivo foi introduzida a ideia de que para ajustar a técnica de exercício competição é necessário aumentar a expressão de nível de força em movimentos determinados. Naquela época, eu e Djachkov elaboramos em conjunto este método e eu sugeri-lhe que o nome "conjugado", porque os exercícios de força teriam que ser "conjugados" com as questões técnicas dos atletas. Depois, eu introduzi o Princípio de Correspondência Dinâmica para selecionar e elaborar adequados exercícios de força especiais sobre a base da análise da estrutura biodinâmica do exercício competitivo. Muitas vezes, na URSS o Método Conjugado foi usado também como "a execução de exercícios de competição com sobrecarga".

“Em minha opinião a abordagem metodológica correta é finalizada para criar um sistema específico de meios e métodos de treinamento, no qual cada componente (também, exercícios aparentemente menos específicos) têm a posição exata no sistema de treinamento específico”. (Verkhoshansky, comunicação pessoal, 2008).
Existem várias semelhanças e diferenças entre o “treinamento funcional” e o “treinamento russo”. A grande diferença é que o treinamento russo procurou cada vez mais se especializar no objetivo muito específico de melhorar a performance de um determinado atleta, de um determinado esporte, em uma determinada competição.

Nasdrovia, tovarich!


2 comentários:

  1. Sou professor de Ed. Física também. Porém estou trabalhando em outra área... mas a atividade física eu não abandono, jamais! E também sou fascinado pela cultura desportiva da ex-URSS. Povo que dominou os jogos olímpicos por muitos anos, deixando os americanos, muitas vezes, em 3º lugar no quadro de medalhas atrás, até mesmo, da ex-Alemanha Oriental.

    “A limitação importante de muitos aparelhos de treinamento de força é que eles são desenhados para treinar músculos e não movimentos. Devido a isso, eles não são a ferramenta mais importante no treinamento de atletas” PERFEITO!

    "Pela primeira vez na metodologia de treinamento desportivo foi introduzida a ideia de que para ajustar a técnica de exercício competição é necessário aumentar a expressão de nível de força em movimentos determinados." A ideia raiz das medalhas de ouro soviéticas! Simples e sensacional ao mesmo tempo.

    Abraço e muita luz para os vossos conhecimentos!

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