O nascimento do treinamento funcional na Rússia (por
Riccardo Rambo)
Eu bem que gostaria que este título fosse verdade. Estudei
na Rússia, fui aluno do Professor Verkhoshansky e sou apaixonado pela cultura
russa (“Não se entende a Rússia com a razão / não se mede com medidas comuns /
Ela tem forma própria / Na Rússia pode-se apenas acreditar”, verso do poeta
Fyodor Tyutchev).
Mas o título não é verdade. Alguns de meus alunos, talvez
tocados por essa “paixão vermelha”, podem ter interpretado erroneamente que eu
tenha dito isso em alguma de minhas palestras e treinamentos.
Cabe a mim, então, a missão honrosa de uma explicação.
É notável a origem do “sistema de treinamento físico
funcional” nos anos 90 por treinadores de força e condicionamento e
coparticipação de fisioterapeutas nos Estados Unidos. O objetivo desses
intrépidos não era apenas melhorar a performance mas também evitar os riscos
elevados de lesão (que eram absurdamente comuns) e, evitar uma limitada
adaptabilidade (fazendo com que o organismo humano pudesse melhorar em níveis
cada vez mais altos e, de forma contínua).
Um sistema de treinamento “diferente” do que existia
precisava ser “descoberto” para melhorar a função, com o propósito de adequar o
treino ao corpo (articulações, músculos, fáscia, sistemas energéticos, etc.) e
a pessoa (características e necessidades em relação a tarefa, no caso,
atletas).
Para isso foi observado 3 pontos fundamentais (princípios?):
os meios e métodos de preparação física (que eram sabidamente eficientes na
preparação física de atletas ao longo da história), anatomia funcional e
biomecânica (comportamento do corpo durante o movimento) e, conhecimento da
fisioterapia da origem de lesões (fortalecendo os elos fracos que as causavam).
Nasceu então, o treinamento funcional!
Mas como uma gestação, os primeiros profissionais levaram
anos para formatarem o que hoje compreendemos muito bem. Nestes anos (de
tentativas, erros, insigths, estudos e, muita prática) houve uma “brecha” para
interpretações erradas, sensacionalismo e aplicações do “sistema” (formado por
princípios, meios e métodos de treinamento) sem conhecimento teórico ou prático
por vários “experts” (pessoas com pouca e duvidosa experiência em treinamento).
Do outro lado do mundo, atrás da “cortina de ferro” (na
terra da vodca, da balalaica, da matrioska, de Tolstói e Dostoiévski, de
Pasternak, dos Montes Urais, de Stalin e Lenin, de Gagarin e Laika, do Sputnik
e da AK-47, do Kremlin e do Bolshoi, da lealdade e da resiliência, da
Isinbayeva...), estavam a maior quantidade de atletas mais bem preparados que o
mundo conheceu, formados por uma cultura física séria e de elevada importância na
sociedade. Dessa cultura vem o treinamento desportivo que se fortalece
metodologicamente nos anos 40(!) e na preparação para as Olímpiadas de
Helsinque (1952).
Daí surgiu: o levantamento de peso olímpico; a “pliometria”
(termo tecnicamente incorreto, mas esta é outra história!); a “PFG” (preparação
física geral com exercícios usando próprio corpo que as pessoas em condições de
combater em guerras faziam para desenvolver força, resistência, mobilidade e
melhorar a saúde); o treino de força máxima; a bioquímica; o gyria
(kettlebell); a força explosiva; o treinamento de músculos estabilizadores do
centro; o aquecimento dinâmico; as massagens e terapias complementares para a
recuperação e tecidos moles; a periodização de Matveev e; o salto profundo, a
força explosiva, a correspondência dinâmica dos meios de treinamento para o
gesto desportivo, a programação de treinamento e o sistema em blocos de
Verkhoshansky.
Isso tudo foi bem documentado pela literatura (mas ficou
“escondida” do Ocidente até a Perestroica, em 1991). O auge dessa cultura
parece ser os anos 70 e 80 e tem como marco a Olimpíada de Moscou.
Estudando sobre o assunto encontrei passagens do Zatsiorsky
e do Verkhoshansky que achei muito interessante:
“A limitação importante de muitos aparelhos de treinamento
de força é que eles são desenhados para treinar músculos e não movimentos.
Devido a isso, eles não são a ferramenta mais importante no treinamento de
atletas” (Zatsiorsky, Ciência e Pratica do Treinamento de Força, 1ª edição,
página 117-edição em português e página 80-edição em inglês).
“O Método Conjugado que eu sei que foi inventado em 50 pelo
meu professor, o famoso treinador de salto em altura V. Djachkov. Foi uma
brilhante ideia usar os exercícios de força especiais para melhorar a técnica dos
atletas. Pela primeira vez na metodologia de treinamento desportivo foi
introduzida a ideia de que para ajustar a técnica de exercício competição é
necessário aumentar a expressão de nível de força em movimentos determinados.
Naquela época, eu e Djachkov elaboramos em conjunto este método e eu sugeri-lhe
que o nome "conjugado", porque os exercícios de força teriam que ser
"conjugados" com as questões técnicas dos atletas. Depois, eu
introduzi o Princípio de Correspondência Dinâmica para selecionar e elaborar
adequados exercícios de força especiais sobre a base da análise da estrutura
biodinâmica do exercício competitivo. Muitas vezes, na URSS o Método Conjugado
foi usado também como "a execução de exercícios de competição com
sobrecarga".
“Em minha opinião a abordagem metodológica correta é
finalizada para criar um sistema específico de meios e métodos de treinamento,
no qual cada componente (também, exercícios aparentemente menos específicos)
têm a posição exata no sistema de treinamento específico”. (Verkhoshansky,
comunicação pessoal, 2008).
Existem várias semelhanças e diferenças entre o “treinamento
funcional” e o “treinamento russo”. A grande diferença é que o treinamento
russo procurou cada vez mais se especializar no objetivo muito específico de
melhorar a performance de um determinado atleta, de um determinado esporte, em
uma determinada competição.
Nasdrovia, tovarich!
Valeu grande Olivar!
ResponderExcluirSou professor de Ed. Física também. Porém estou trabalhando em outra área... mas a atividade física eu não abandono, jamais! E também sou fascinado pela cultura desportiva da ex-URSS. Povo que dominou os jogos olímpicos por muitos anos, deixando os americanos, muitas vezes, em 3º lugar no quadro de medalhas atrás, até mesmo, da ex-Alemanha Oriental.
ResponderExcluir“A limitação importante de muitos aparelhos de treinamento de força é que eles são desenhados para treinar músculos e não movimentos. Devido a isso, eles não são a ferramenta mais importante no treinamento de atletas” PERFEITO!
"Pela primeira vez na metodologia de treinamento desportivo foi introduzida a ideia de que para ajustar a técnica de exercício competição é necessário aumentar a expressão de nível de força em movimentos determinados." A ideia raiz das medalhas de ouro soviéticas! Simples e sensacional ao mesmo tempo.
Abraço e muita luz para os vossos conhecimentos!