segunda-feira, 10 de setembro de 2012

OLIVAR LEITE ENTREVISTA MARQUINHO TATU.





Marcus Augusto Silva Albuquerque,



talvez a grande maioria não conheça ou reconheça de quem estou falando mas se falar de Marquinho Tatu os grandes nomes do Judô, do Jiu-jitsu, do Vale Tudo e MMA imediatamente lembrarão da fera na preparação física, um dos precursores da preparação física voltada para os lutadores e isso eu to falando do inicio da década de 90.
Hoje Marquinho cuida do seu CT no Acre (veja fotos)






                                    e ainda treina atletas como Katherine Campos (veja fotos)

 Eu conversei com Marquinho e se você gosta de luta, de Judô, Jiu-jitsu, MMA e principalmente de preparação física, acompanhe a entrevista abaixo:




1 Você é apontado junto com o Paulo Caruso precursor na preparação física para lutadores. Quando e onde começou esse trabalho?

Estagiei na academia Clube Welmo de Ginástica, no Posto 6 em Copacabana, com o professor Welmo Pinto Alves na musculação e ginástica, em 1991. Ele usava muito a base do treinamento desportivo, principalmente na ginástica, tinha acabado de voltar das Arábias, onde era preparador físico de futebol profissional. As mulheres que faziam aula com ele foram as mais saradas (sem tomar produtos) que já vi até hoje!
Com isso, comecei a me aprofundar na faculdade nas escolas de treinamento desportivo e montar os ciclos de periodização de todas as aulas dessa academia (hoje em dia é a W2M, comandada pleo filho dele, Waldemar Areno).
Logo depois peguei a monitoria de Judô da faculdade (EEFD/UFRJ) e fiz testes nas teorias que já existiam, principalmente escola soviética, da Alemanha Oriental, tínhamos muitos alunos treinando, porque a educação física era obrigatória na Universidade. Logo tivemos alguns destaques em campeonatos universitários de iniciantes, e comecei a aperfeiçoar uma teoria mais pessoal.
Tinha aulas acadêmicas com o professor Ney Wilson, e fui chamado por ele pra aplicar o planejamento da parte física, feito por ele, no grupo de faixas preta do Santa Luzia, na época, que já era um time bem forte. Após algum tempo aplicando e analisando, comecei a imprimir meu estilo, sob a sua supervisão, e migramos pra que eu planejasse todo o processo.
Com o sucesso da equipe nas seletivas dos Jogos Olímpicos de Atlanta, que foi em dezembro de 1995 a primeira fase, assumi todo o grupo.
Daí comecei a treinar alguns membros da equipe Alliance, pois era aluno do Léo Castello Branco, e tive contato com o Pedro Rizzo, que foi meu calouro da faculdade, quando entrei pra equipe do Mestre Ruas, e não parou mais.




2 Pedro Rizzo lenda do Vale Tudo/MMA me segredou que quando ganhava tudo e estava "voando" era você o responsavel por sua preparação. Conte - nos sobre?

Rizzo é um atleta extremamente dedicado e ciente de suas capacidades, bem inteligente e estratégico, isso favorece bastante a aplicação de treinos mais elaborados. O que aconteceu é que minha linha de trabalho se concentra na análise da competição, sua forma funcional, tanto vencedora quanto perdedora, e a transferência com pequena margem de perda dessas funções para a parte prática do treino.
A construção do treino vem do modelo competitivo, o que especifica bem o trabalho e ajusta a estratégia sempre pro máximo de desempenho. Tínhamos uma equipe muito boa, Mestre Ruas era o cabeça da parte técnica e estratégica, e eu ajustava a periodização e o planejamento dentro do calendário competitivo deles. Reduzimos o excesso de treino que não tivesse alinhamento com o padrão competitivo e aumentamos a carga de aplicação para o esforço sempre no limiar da possibilidade real de ganhar a competição.
O ajuste do tempo dos rounds e as datas que separavam uma luta e outra favoreciam um planejamento quase perfeito.
Como o Vale Tudo tem uma amplitude técnica e estratégica muito grande, o volume de informações e as variantes de forma de treino dão uma boa quantidade de trabalho, o que faz com que o treino seja sempre novo, inovador e impactante.
O mais importante ítem do nosso trabalho é a análise das competições. Estava sempre assistindo inúmeras lutas e anotando tudo o que acontecia nelas, tempo de duração dos “infights”, de troca em pé, de solo, tipo de técnica utilizada (que hoje em dia é feito pelo UFC, que é o “scout” oficial das lutas), observação empírica do cansaço dos adversários, além de controles externos, como medição da FC de esforço e recuperação antes, entre rounds e após as lutas, Escala de Borg (planilha de percepção subjetiva de esforço), testes constantes de aptidão física geral e específica (lutas simuladas) e outros detalhes que deixam o atleta na sua mão, porque aí você pode reavaliar e remodelar o planejamento sempre, com muita segurança de estar no caminho certo.
A grande parte dos exercícios físicos, tanto na luta quanto na academia, são baseados nas técnicas que o atleta usa melhor, nas que ele tem que usar em determinados combates, mesmo não sendo suas preferidas, e na correção de erros de lutas em que tenha perdido. Isso tira a prática ortodoxa e joga o atleta sempre em práticas muito próximas do modelo competitivo, o que aperfeiçoa suas capacidades ao extremo.



3 Que outros atletas de ponta você treinou?

No Judô – Sebastian Pereira, Frederico Flexa, Márcio Varejão, Marcel Aragão, Cavi Borges, Vânia Ishii, Tânia Ferreira, Fabiane Hukuda (inclusive depois que se naturalizou austríaca), Alexandre Lee, Rosângela Conceição, Flávio canto e Rosicléia Campos na fase de treinos físicos específicos preparatórios pra Atlanta 1996, dentre outros.
Jiu Jitsu – Léo Castelo Branco, Rodrigo Comprido Medeiros, Felipe Costa, Zé Mário Esfiha, Roberto Risada Atalla, Zé Marcelo, Leandrinho Vieira.
Vale Tudo – Mestre Marco Ruas, Pedro Rizzo, Renato babalu, Gustavo Ximú, Dado, Baixinho, Antoine Jaoude, Cacareco.



4 Fale da sua ligação com o Judô?

Comecei a treinar tarde, com 14 anos, incentivado pelo meu padrasto, Petrúcio Monteiro. Após a entrada na faculdade de Educação Física, tive acesso ao mestre Ney Wilson e ao treino de alto rendimento. Nessa época eu já tinha uma luxação recidivante no ombro esquerdo, o que me impedia de grandes volumes de treino, portanto decidi partir pro outro lado do Shiai Jo: virar treinador.
Entrei como auxiliar de preparação física na equipe do Santa Luzia em 1995 e nunca mais parei de trabalhar com mestre Ney. Passamos por grandes nomes como Iate Clube Jardim Guanabara e Vasco da Gama, mas sempre tínhamos uma base fixa no Colégio Sion, Cosme Velho, no Rio de Janeiro.
Até 2001 a Confederação Brasileira de Judô não tinha uma comissaõ técnica profissional estruturada oficialmente e, como sempre tínhamos atletas na seleção brasileira, eu dava aulas em academias e treinos pro pessoal do Jiu Jitsu e do Vale Tudo pra poder pagar minhas viagens com o Judô. Assim fui pros Jogos de Atlanta/1996, quando pela primeira vez na história o RJ colocou 4 atletas na seleção olímpica (Sebastian Pereira 71kg, Flávio Canto 78kg, Rosicléia Campos 61kg e Frederico Flexa no pesado), campeonato mundial Júnior Porto 1996, quando Sebástian sagrou-se campeão (antes dele só Aurélio Miguel), Campeonato Mundial Universitário Canadá 1996 (Márcio Varejão em quinto lugar), Mundial Paris 1997, Mundial Inglaterra 1999 (Sebastian terceiro lugar), Jogos de Sydney 2000, quando um terço da seleção olímpica era de atletas do Vasco da Gama, entre titulares e reservas.
Com isso tive a oportunidade de trabalhar com os grandes nomes do nosso judô: Aurélio Miguel, Alexandre Garcia, Henrique Guimarães, Flávio Canto, Flávio Honorato, Renato Dagnino, Carlos Honorato, Daniela Zangrando, Chris Parmigiano, Rosicléia Campos, Priscila Marques, João Derly entre tantos outros que me trouxeram um enorme aprendizado.
Em 2001 houve uma mudança radical na concepção e direção do judô nacional, onde a primeira comissão técnica da nova era foi montada, sendo professor Ney Wilson, professor Jun Shinohara, professor Floriano Almeida, professor Douglas Vieira (medalha de prata em Los Angeles 1984) e eu.
Em 2002 fui pro Acre a trabalho, retornando no final de 2008 e voltando pra seleção, então já com uma estrutura extremanente profissional, com nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, médicos e tudo o mais. Fomos a primeira equipe a entregar o planejamento ao COB dos Jogos Rio 2016 e logo depois fui afastado do time, retornando ao Acre onde atualmente tenho um Centro de Treinamento na cidade de Rio Branco.


5 A que você atribui essa onda de overtrainning, atletas se machucando toda hora e o trabalho excessivo da preparação física deixando o treino de luta em segundo plano?

Na sua pergunta já vem a resposta: os treinos são muito exigentes e na grande maioria dos casos ultrapassam a capacidade regenerativa do indivíduo. É de fundamental importância avaliações periódicas da capacidade funcional dos atletas, pra saber o nível de resultado que o treino está causando no organismo, caso contrário você acha que está crescendo mas está demolindo.
Tivemos um caso interessante em 1996, no Judô, quando as análises bioquímicas sanguíneas mostraram que a pessoa estava perdendo cálcio ósseo, de tanto treinar. Após ajustes e adequações houve uma reversão do quadro. Mas se não acompanhássemos de perto, teria sido um caso grave de osteoporose aguda, talvez até com fraturas sérias por estresse.
O que se faz na competição é o que deve ser treinado e aperfeiçoado. Saiu dessa margem já é treino jogado fora, pois o nível de transferência de treinos não específicos para a competição é muito baixa, porque as alterações são intracelulares, e só ocorrem com estímulos que sejam reais e positivos ao tipo de competição que se pratica. Se até hoje você vê lutadores que usam a corrida em sua base de preparação física, quando na hora da luta você NUNCA corre... isso é um paradigma difícil de ser quebrado, pelo egocentrismo de uns, comodidade de outros, tradicionalismo de mais uns tantos. Outro ponto que acho bastante polêmico é a utilização da drástica redução de peso na hora de competir. Lutadores que reduzem até 15kg do seu peso normal pra disputa. Ora, isso pra mim é um dope natural, tendo em vista a situação que o indivíduo chega na hora da luta, com às vezes até 8kg acima do que marcou na balança. Mas o pior disso são os efeitos devastadores a médio e longo prazo que causam ao organismo.
Na Confederação Brasileira de Judô, desde 2003, é terminantemente proibido perder peso pra competir. Atletas que são chamamdos para treinar na seleção devem se apresentar a, no máximo, 5% acima do seu peso de competição. Quando chamados pra competir, o limite desce para 3%, o que é considerado uma marca saudável pelos médicos e nutricionistas para que não haja afetação no comportamento psicomotor do individuo na hora da competição.
Estamos realizando um evento de MMA em Rio Branco, dia 12 de outubro agora, onde a pesagem vai ser duas horas antes da primeira luta, justamente pra inibir esse tipo de coisa.
A parte de preparação física do atleta deve estar intimamente ligada à parte principal do treino, sendo o planejamento necessariamente feito casado, com a parte de luta prioritária. Já vi muito caso de atleta valorizar muito mais o preparador físico que o técnico. Isso é um desvio de foco, que acarreta em descuidos específicos na hora da competição e levam a derrotas difíceis de serem explicadas pelos envolvidos e entendidas pelos leigos.

6 Cite outros profissionais da sua área que você entregaria um filho, sobrinho de olhos fechados para serem treinados por ele.

Eduardo Ratinho Pires e Ítallo Vilardo são meus preferidos.



7 Hoje no MMA moderno quem te "enche os olhos" ?

Aprecio muito o jogo de estratégia do Júnior Cigano, as capacidades ninjas de Anderson Silva e Jon Jones (um excelente combate, já que o Spider pesa o mesmo que o Bones), os “levinhos” do mestre Dedé Pederneiras e o excelente nível técnico e físico do José Aldo. Esse garoto sempre me emociona muito lutando, pois vi quando chegou aqui no RJ vindo de Manaus e peguei o início de sua trajetória. Guerreiro no sentido essencial da palavra.



8 Fatores determinantes para se tornar um atleta de alto rendimento nas lutas?

Foco, determinação, boa nutrição, uma boa equipe técnica e muita disciplina e entrega total.




9 Faça seus agradecimentos e deixe a sua mensagem?

Agradeço aos professores da EEFD UFRJ que me ensinaram a pensar e produzir além da minha capacidade; à escola soviética de treinamento desportivo, principalmente ucranianos e alemães orientais por produzirem o melhor material de todos os tempos; aos mestres Petrúcio Monteiro, Welmo Alves, Ney Wilson, Paulo Figueiredo, Marco Ruas, Leonardo Castello Branco, Dedé Pederneiras; aos grandes Myamoto Musashi e Almyr Klink por mudarem a minha vida com seus livros; aos meus parceiros de trabalho nas equipes que atuei; mas principalmente aos atletas que se entregaram aos meus cuidados, pela confiança, respeito e carinho de todos, por suportar minhas “loucuras” psicopedagógicas e os treinos heterodoxos, por acreditar no pioneirismo e carimbar o resultado com excelentes atuações.
Minha mensagem é simples: O HOMEM É DO TAMANHO DO SEU SONHO (não lembro o autor da frase)





                                                                 Olivar Leite.


Fotos: Arquivo pessoal do Marquinho e do Pedro.

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