APONTAMENTOS SÉRIOS... TERCEIRA PARTE
Máuri de Carvalho
O obstáculo real à democratização das administrações
estaduais e nacional é a burocracia constitutiva do poder real, cujo conteúdo
material representa a ilusão do burocrata maior e seus asseclas apaniguados.
Parafraseando um advogado do século XX, diria que, se por um
lado, o burocratismo é a doença infantil do judô, por outro lado, a alardeada
crise de identidade do Judô não é nova, mas uma crise balzaquiana, com mais de
trintas anos.
É fato que a Era Mamede
transformou a CBJ em uma espécie de República de burocratas, fenômeno
incontornável cuja supressão é possível, mas apenas quando o interesse geral
for transformado em interesse particular e já não houver mais diferença entre o
interesse coletivo e o interesse do individual.
Especificamente no Judô, justiça seja feita às raras
exceções, os desmandos levados a termo pelas burocracias que se apossaram da
Confederação e das Federações, como se capitanias hereditárias fossem,
demonstram que o Judô é dirigido distanciado do marco filosófico e ético
originário assumido por seu edificador.
O judô virou esporte tornando-se presa fácil de burocratas
servis às grandes empresas multinacionais e aos governos não populares e não
democráticos de 1985 aos dias de hoje.
Sobre a burocracia um pensador do século XIX trás a lume a
crítica aos rumos que tomaram a lengalenga burocrática e as bravatas
ideológicas em andamento no Judô sobre as quais uma paciente e rigorosa
reflexão é absolutamente necessária.
Estranho aos professores de Judô, mas não ao Judô, um
secular pensador ao referir sobre a burocracia me permite parafrasear o
seguinte comentário: o espírito burocrático é totalmente jesuítico e teológico,
os professores de Judô, notadamente os burocratas, são dados a tricas e
futricas, dissimulados e hipócritas defensores e acólitos dos governos que se
sucedem na “República do Bananil”.
Salvo outra e mais detalhada datação
histórica, a Era Mamede foi o período onde Joaquim Mamede Carvalho Silva esteve
à frente da gestão da Confederação Brasileira de Judô – CBJ. Ainda que possa
parecer estranho essa gestão tem como ponto a Federação de Judô do Estado do
Rio de Janeiro – FJERJ, cujo presidente era Joaquim Mamede no período
1976-1979, com o inestimável e incontornável apoio do então Chanceler da
Universidade Gama Filho, Pedro Ernesto Prado Ferreira da Gama, mais conhecido
como Pedro Gama Filho, Presidente da FJERJ nos anos de 1982 e 1983, sucedendo à
Raimundo Faustino Sobrinho Presidente da FJERJ nos anos de 1980 e 1981. Joaquim
Mamede foi Presidente da CBJ de 1985 à 1990 e Superintendente da mesma
Instituição por dois períodos, o primeiro entre 1979 e 1984, e o segundo, entre
1991 e 2001. Nestes dois períodos Mamede era quem de fato mandava na
Confederação Brasileira de Judô. Foram 21 anos de efetivo comando sobre a CBJ e
sobre o destino do Judô no Brasil. A Era Mamede dirigida por um burocrata
avesso à democracia priorizou o aspecto técnico competitivo em detrimento dos
componentes pedagógicos e filosóficos do Judô como Método de Educação Física,
Educação Intelectual e Educação Moral. Traído por velhos e novos falsos amigos
Joaquim Mamede retira-se da longa e tumultuada política adotada na CBJ, entre
1980 e 2001. Com essa retirada Mamede deixa livre o caminho aos seus sucessores
que, a rigor, gozavam das benesses da Era Mamede.
Ainda que possa parecer paradoxal, os “fins” da CBJ se
convertem em “fins” da burocracia e os “fins” da burocracia em “fins” da CBJ:
uma perfeita simbiose. O agir burocrático é uma espécie de labirinto de onde
ninguém consegue escapar pela crítica, notadamente, porque sua hierarquia é
transformada em saber despótico supostamente inamovível.
A burocracia não consegue encontrar nada de interessante na
concepção originária do edificador do Caminho Suave. Essa burocracia confederada
é financiada por multinacionais e pelo Estado capitalista, autoritário e de
viés mercadológico. Neste campo, o Judô as regras de mercado se sobrepõem aos
valores éticos contidos no seu regramento original indispensável à formação do
caráter dos judocas, crianças e adolescentes.
É fato notório que a burocracia (e seus bajuladores) não
admite os próprios erros, preferindo atribuí-los aos outros. Essa tem sido a
conduta da burocracia no âmbito do Judô, tal como acontece no caótico econômico
gerado pelo oportunismo politiqueiro e pelo parlamentarismo corrupto
comprometido com os mais baixos instintos humanos.
Sem o menor constrangimento a burocracia defende um
lugarzinho ao sol, pouco importando os princípios que dizem defender e os
outros que pensam diferente, sempre considerados como adversários à quem é
preciso derrotar. Ao agradar à chefia imediata os burocratas procuram conservar
o lugarzinho passageiro e de tudo fazem para se perpetuarem como castas no
mando das Instituições citadas.
Na contramão dessa conduta, um tipo de visgo usado para
“aprisionar” judocas, o comportamento moral legado pelos Sensei pretéritos
(sinceridade, honestidade, humilde, honra, generosidade, respeito, compostura e
cortesia) é fundamental à compreensão e incorporação do conhecido e
popularmente citado Princípio do bem estar e benefícios mútuos sem o que o Dô
jamais será alcançado.
Perdido o Dô, metáfora de nossa própria vida, o Ju
permanecerá como prática alienada e alienante onde Ukê e Tori enfrentam-se em
uma luta vazia de sentido humano, aprendendo a viver sem razão.
A DEFORMAÇÃO
Assentado no Princípio do bem-estar e benefícios mútuos o
Judô é uma prática social voltada à formação de indivíduos capazes de resistir
sem medo e de se apoderar das armas da crítica para combater as “forças”
responsáveis pela sua deformação. Ousar romper com a submissão desmedida
significa incorporar a virtude política, o Jita-Kyoei, sem o qual a vida do
judoca será apenas um eterno e monótono trabalho de Sísifo.
Contrariando a burocracia, ao Sensei adepto da tradição e
educador cabe fazer com que cada judoca desde a mais tenra idade assuma a
disciplina como pré-condição da formação política necessária à refundação do
Judô sobre outro molde e outros princípios.
A disciplina não nasce da piedade. A disciplina é uma
decorrência lógica de condições objetivas e condições subjetivas sem as quais
não se consegue deslanchar o processo pedagógico naturalmente disciplinado
imprescindível à refundação fraterna e igualitária das instituições que dirigem
o Judô nos Estados e na União.
Sem compromisso com essa refundação, mas acertados com a
manutenção do Judô espetáculo, os burocratas estão historicamente ligados ao
poder central na medida em que só tem acesso aos cargos majoritários das
Confederações esportivas aqueles indivíduos com compromissos inidôneos e laços
espúrios com o grupo polític e economicamente dominante. A burocracia em geral
e a burocracia das Confederações esportivas são dois aspectos políticos
retrógrados do mesmo modo de produção capitalista.
No caso específico, a burocracia claramente política, tanto
por sua origem histórica como por sua missão e seu compromisso, é uma
instituição exclusiva e peculiar ao capitalismo encarregada de conduzir o Judô
por outro caminho ilusoriamente à margem da vida e à margem da política
pairando no ar como fosse um balão junino.
Como dito anteriormente, mas que não me custa nada repetir,
a burocracia é o formalismo das Federações Estaduais e da Confederação apontada
aos neófitos professores e aos ingênuos judocas, como a máxima organização
possível do Judô. Ou seja, a suposta máxima organização é o poder da Confederação,
corporação particular fechada em si mesma. A Confederação encerrada na
Confederação.
Autoritária, despótica, renegada dos preceitos de Jigoro
Kano. Diante dos interesses dessa corporação e do interesse particular dos
burocratas de plantão, o interesse geral dos professores de Judô e dos judocas
não pode ser mais que o interesse particular da Confederação.
A burocracia, pois, é obrigada a proteger a generalidade
imaginária do próprio interesse particular, para proteger a particularidade do
suposto interesse geral sob o qual tem ocultado seus mais nefastos interesses.
Os burocratas usam os supostos interesses da Confederação e das Federações como
biombo a ocultar suas demandas pessoais e seu poder imaginário.
SUPOSTAMENTE SOLIDO!
Na contramão do burocrata de plantão, vale conferir o que
disse o Oráculo: tudo o que é solido se desmancha no ar. Portanto, sigo
arengando e assumindo o risco do paradoxo ao afirmar que a burocracia
representa a negação do princípio confederativo na medida em que nega a liberdade
de expressão e de participação republicana na escolha de seus dirigentes.
A burocracia transforma seu interesse subjetivo em sua
própria existência. A burocracia se transforma em Confederação. A burocracia é
a Confederação enquanto poder majoritário. Ao usar a Confederação como técnica
de alpinismo social, os burocratas praticam aberta e francamente o abandono e a
traição aos princípios originários do judô.
Enquanto fenômeno incontornável na cidade do capital, a
supressão da burocracia só é possível quando o interesse geral dos que fazem o
Judô no Brasil for transformado em interesse particular dos judocas. É um
deslumbramento inominável acreditar que a burocracia se autotransforma e que,
portanto, será capaz de colocar os interesses coletivos dos Sensei e dos
judocas sobre os próprios e nada democráticos interesses.
É uma ilusão avassaladora predicar o uso do poder
confederativo para atender as demandas de todos aqueles que fazem o Judô neste
país, notadamente, porque o objetivo de uma Confederação na Sociedade do
Espetáculo está reduzido por completo aos interesses da classe social dominante
e das multinacionais que subvencionam campeonatos, viagens, estágios nacionais
e internacionais e outros penduricalhos monetários.
Queiram ou não, saibam ou não, na cidade do primado do
capital sobre o trabalho o espetáculo se sobrepõe aos Princípios do bem-estar e
dos benefícios mútuos imprescindíveis à afirmação do Judô como Método de
Educação física, Intelectual e Educação Moral.
Porém vale considerar que nos dias de hoje não há nobreza,
não há honra, mas apenas apatia política e a suja covardia. De modo que é um
verdadeiro e estranho paradoxo pensar que as mesmas pessoas podem ser corajosas
e limpas no judô e sujas e covardes na sociedade!
Assentado em determinado código de ética não existe o homem
ou a mulher mais ou menos limpo e nem o mais ou menos sujo, mesmo porque não
existe o judoca mais ou menos.
Neste quadro se o judô é a justaposição de duas palavras
japonesas, Ju (suavidade, não resistência, ensinamento, saber) e Dô (via, meio,
caminho, vereda à consecução do saber fazer, sentir, pensar), então,
literalmente, ele é o meio, a via que conduz o judoca ao respeito e benefícios
mútuos ainda muito distantes dos conteúdos ensinados no e pelo judô praticado neste
país.
É como penso! Se estiver errado, por favor, aceito consertos
e reprimendas!
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