APONTAMENTOS
SÉRIOS... SEGUNDA PARTE
Máuri de Carvalho
Entre a formação humana e
a formação técnica, entre o cidadão e o atleta, há uma incomensurável distância,
notadamente porque na cidade do capital tudo é transformado em mercadoria, da
moral à religião, tudo obedece à lógica do lucro sobre todas as coisas. Diante do
atual quadro político e ideológico assustador e obscurantista meu papel enquanto
animal político é colocar em questão
tudo o que é tido como definitivo, perene, imutável.
Antes de continuar exercitando
a crítica, devo lembrar que, tal como entendo, o objetivo de Jigoro Kano na edificação do Judô era constituir
um Método de Educação Física, Intelectual e Moral ao qual se somam obrigatoriamente os Princípios Éticos que precisam ser ensinados no transcurso das
aulas de Judô.
A leitura atenciosa de um
seleto grupo de autores sobre a história do Judô ou apenas sobre o Judô em sua
forma pedagógica me permite assentar os seguintes princípios éticos sem os quais o Judô permanecerá retido nos
estreitos limites de do saber técnico:
Cortesia
– educado e cavalheiro no
trato com os outros.
Coragem – decisão firme e inarredável no enfrentar
as dificuldades arrostando os perigos postos diante de si.
Retidão
– virtude de seguir, sem desvios, o caminho aberto pelo senso
de justiça, pela equidade, estar em conformidade com a razão, com o dever,
probidade do caráter,
verdadeiro em seus pensamentos e ações.
Honra – fazer o que é certo e se manter de
acordo com os outros princípios esposados, defesa da própria dignidade sem a
qual nenhum homem é digno de tal nome.
Lealdade
– ser fiel aos princípios, àqueles que estão sob
seus cuidados, aos amigos e camaradas.
Sinceridade
– quer dizer, falar sempre a verdade, cumprir a palavra
empenhada de tal modo que se alguém diz que fará algo, é como se esse algo já
tivesse sido feito.
TERGIVERSANDO A HISTÓRIA
O tratamento acadêmico
meramente intelectual dado ao Judô e à burocracia encastelada na CBJ e nas
Federações tem por base, como disse noutro momento, a concepção idealista da
história. Segundo essa concepção de mundo e as lentes através das quais vê as
coisas, é atributo do caudilho e/ou do dirigente máximo a condição de o melhor,
o mais bem dotado de perspicácia e de intuição esmerada, aquinhoado com a
inteligência de tal modo que não lhe cabia e não lhe cabe nenhuma
responsabilidade pelo insucesso do trabalho operacional de suas equipes. Ao
chefe, o bônus, aos demais, o ônus.
Estranhamente, os
professores adeptos dessa concepção de sociedade, reportam como autoritário o dirigente
máximo antecessor da Era Wanderley. Sem culpa formada, ilibada, a burocracia
que substituiu a Era Mamede na direção da CBJ, teria corrigido os problemas
legados por mais de duas décadas de autoritarismo.
A ausência de visão crítica da realidade faz com que o crítico não
perceba ou não queira perceber que, logo após a Era Mamede, o dirigente mor da
CBJ capitaneando uma autocrática e caudilhete minoria, adotou como necessária a recuperação da imagem do judô
brasileiro. Há aqui algumas perguntas com caráter explicativo:
Os procedimentos autoritários
tinham endereço, partiam de quem, a favor de quem e contra quem e o que
realmente significa recuperar a imagem do Judô seria reaver
a imagem perdida? Quando, como, onde e em que momento a imagem do Judô
brasileiro foi perdida?
Não é honesto, mas
desonesto, atribuir unicamente à Era Mamede onde os ex-dirigentes que o
sucederam e atuais dirigentes fizeram carreira burocrática sob o aval do chefe
da burocracia de então que, curiosamente, tão somente hoje é reportado como
autoritário.
Assentados na crítica pela
crítica não reportam que a burocracia entronizada na CBJ, notadamente a partir
da Era Mamede, concentra enorme poder sobre o Judô. Portanto, não consigo
entender por que os críticos que subscrevem artigos e estudos do Judô não apontam
a necessidade da contestação à
burocracia que dirige a CBJ e as Federações.
Uma verdade se impõe. A
Era Mamede não foi superada. Os Presidentes que o sucederam ou foram seus
apadrinhados políticos ou são convenientemente ‘amigos’ dos apadrinhados. Em ambos
os casos herdaram e assumiram o legado da Era Mamede: centralismo burocrático.
O CAUDILHO DE ONTEM FEZ ESCOLA
O caudilho quando larga o
poder transitório por outro lugar mais lucrativo em uma Instituição estatal ou
a ela vinculado, trata logo de alocar no comando da CBJ, de modo absurdamente
antidemocrático, pelo voto dos pares, excluídos os ímpares, alguém ‘capaz’ de incorporar
o apego incondicional ao poder e portador da mesma concepção de Judô.
Em franco desfavor do Judô de Jigoro Kano, as burocracias Nacional
e Estadual têm atribuído maior ênfase ao ensino dos conteúdos técnicos, ao
passo com um declarado e indisfarçável distanciamento da formação intelectual e ética
(formação política) dos judocas. Esse
distanciamento dos princípios filosóficos e éticos que balizaram a construção
do Judô é um real obstáculo à compreensão da complexa e bela história de sua
edificação.
Pensando a burocracia que
dirige o Judô na República Federativa do Brasil, parafraseando Carlos Drummond
de Andrade, “há no meio do caminho uma pedra. Há uma pedra no meio do caminho.
No meio do caminho há uma pedra”.
É preciso remover a pedra
do meio do caminho para colocar o Judô noutro patamar diferente do atual no
qual se encontra rebaixado à simples condição de mercadoria espetaculosa de
nada servindo à formação política de futuros cidadãos.
A pedra no caminho não
pode permanecer atravancando a passagem enquanto à larga alardeia a suposta
modernização da CBJ. Dinamitemos a pedra!
Continua...
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