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segunda-feira, 10 de junho de 2019

APONTAMENTOS SÉRIOS... TERCEIRA PARTE




APONTAMENTOS SÉRIOS... TERCEIRA PARTE
Máuri de Carvalho

O obstáculo real à democratização das administrações estaduais e nacional é a burocracia constitutiva do poder real, cujo conteúdo material representa a ilusão do burocrata maior e seus asseclas apaniguados.
Parafraseando um advogado do século XX, diria que, se por um lado, o burocratismo é a doença infantil do judô, por outro lado, a alardeada crise de identidade do Judô não é nova, mas uma crise balzaquiana, com mais de trintas anos.
É fato que a Era Mamede  transformou a CBJ em uma espécie de República de burocratas, fenômeno incontornável cuja supressão é possível, mas apenas quando o interesse geral for transformado em interesse particular e já não houver mais diferença entre o interesse coletivo e o interesse do individual.
Especificamente no Judô, justiça seja feita às raras exceções, os desmandos levados a termo pelas burocracias que se apossaram da Confederação e das Federações, como se capitanias hereditárias fossem, demonstram que o Judô é dirigido distanciado do marco filosófico e ético originário assumido por seu edificador.
O judô virou esporte tornando-se presa fácil de burocratas servis às grandes empresas multinacionais e aos governos não populares e não democráticos de 1985 aos dias de hoje.
Sobre a burocracia um pensador do século XIX trás a lume a crítica aos rumos que tomaram a lengalenga burocrática e as bravatas ideológicas em andamento no Judô sobre as quais uma paciente e rigorosa reflexão é absolutamente necessária.
Estranho aos professores de Judô, mas não ao Judô, um secular pensador ao referir sobre a burocracia me permite parafrasear o seguinte comentário: o espírito burocrático é totalmente jesuítico e teológico, os professores de Judô, notadamente os burocratas, são dados a tricas e futricas, dissimulados e hipócritas defensores e acólitos dos governos que se sucedem na “República do Bananil”.



  Salvo outra e mais detalhada datação histórica, a Era Mamede foi o período onde Joaquim Mamede Carvalho Silva esteve à frente da gestão da Confederação Brasileira de Judô – CBJ. Ainda que possa parecer estranho essa gestão tem como ponto a Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro – FJERJ, cujo presidente era Joaquim Mamede no período 1976-1979, com o inestimável e incontornável apoio do então Chanceler da Universidade Gama Filho, Pedro Ernesto Prado Ferreira da Gama, mais conhecido como Pedro Gama Filho, Presidente da FJERJ nos anos de 1982 e 1983, sucedendo à Raimundo Faustino Sobrinho Presidente da FJERJ nos anos de 1980 e 1981. Joaquim Mamede foi Presidente da CBJ de 1985 à 1990 e Superintendente da mesma Instituição por dois períodos, o primeiro entre 1979 e 1984, e o segundo, entre 1991 e 2001. Nestes dois períodos Mamede era quem de fato mandava na Confederação Brasileira de Judô. Foram 21 anos de efetivo comando sobre a CBJ e sobre o destino do Judô no Brasil. A Era Mamede dirigida por um burocrata avesso à democracia priorizou o aspecto técnico competitivo em detrimento dos componentes pedagógicos e filosóficos do Judô como Método de Educação Física, Educação Intelectual e Educação Moral. Traído por velhos e novos falsos amigos Joaquim Mamede retira-se da longa e tumultuada política adotada na CBJ, entre 1980 e 2001. Com essa retirada Mamede deixa livre o caminho aos seus sucessores que, a rigor, gozavam das benesses da Era Mamede.



Ainda que possa parecer paradoxal, os “fins” da CBJ se convertem em “fins” da burocracia e os “fins” da burocracia em “fins” da CBJ: uma perfeita simbiose. O agir burocrático é uma espécie de labirinto de onde ninguém consegue escapar pela crítica, notadamente, porque sua hierarquia é transformada em saber despótico supostamente inamovível.
A burocracia não consegue encontrar nada de interessante na concepção originária do edificador do Caminho Suave. Essa burocracia confederada é financiada por multinacionais e pelo Estado capitalista, autoritário e de viés mercadológico. Neste campo, o Judô as regras de mercado se sobrepõem aos valores éticos contidos no seu regramento original indispensável à formação do caráter dos judocas, crianças e adolescentes.
É fato notório que a burocracia (e seus bajuladores) não admite os próprios erros, preferindo atribuí-los aos outros. Essa tem sido a conduta da burocracia no âmbito do Judô, tal como acontece no caótico econômico gerado pelo oportunismo politiqueiro e pelo parlamentarismo corrupto comprometido com os mais baixos instintos humanos.
Sem o menor constrangimento a burocracia defende um lugarzinho ao sol, pouco importando os princípios que dizem defender e os outros que pensam diferente, sempre considerados como adversários à quem é preciso derrotar. Ao agradar à chefia imediata os burocratas procuram conservar o lugarzinho passageiro e de tudo fazem para se perpetuarem como castas no mando das Instituições citadas.
Na contramão dessa conduta, um tipo de visgo usado para “aprisionar” judocas, o comportamento moral legado pelos Sensei pretéritos (sinceridade, honestidade, humilde, honra, generosidade, respeito, compostura e cortesia) é fundamental à compreensão e incorporação do conhecido e popularmente citado Princípio do bem estar e benefícios mútuos sem o que o Dô jamais será alcançado.
Perdido o Dô, metáfora de nossa própria vida, o Ju permanecerá como prática alienada e alienante onde Ukê e Tori enfrentam-se em uma luta vazia de sentido humano, aprendendo a viver sem razão.

A DEFORMAÇÃO
Assentado no Princípio do bem-estar e benefícios mútuos o Judô é uma prática social voltada à formação de indivíduos capazes de resistir sem medo e de se apoderar das armas da crítica para combater as “forças” responsáveis pela sua deformação. Ousar romper com a submissão desmedida significa incorporar a virtude política, o Jita-Kyoei, sem o qual a vida do judoca será apenas um eterno e monótono trabalho de Sísifo.
Contrariando a burocracia, ao Sensei adepto da tradição e educador cabe fazer com que cada judoca desde a mais tenra idade assuma a disciplina como pré-condição da formação política necessária à refundação do Judô sobre outro molde e outros princípios.
A disciplina não nasce da piedade. A disciplina é uma decorrência lógica de condições objetivas e condições subjetivas sem as quais não se consegue deslanchar o processo pedagógico naturalmente disciplinado imprescindível à refundação fraterna e igualitária das instituições que dirigem o Judô nos Estados e na União.
Sem compromisso com essa refundação, mas acertados com a manutenção do Judô espetáculo, os burocratas estão historicamente ligados ao poder central na medida em que só tem acesso aos cargos majoritários das Confederações esportivas aqueles indivíduos com compromissos inidôneos e laços espúrios com o grupo polític e economicamente dominante. A burocracia em geral e a burocracia das Confederações esportivas são dois aspectos políticos retrógrados do mesmo modo de produção capitalista.
No caso específico, a burocracia claramente política, tanto por sua origem histórica como por sua missão e seu compromisso, é uma instituição exclusiva e peculiar ao capitalismo encarregada de conduzir o Judô por outro caminho ilusoriamente à margem da vida e à margem da política pairando no ar como fosse um balão junino.
Como dito anteriormente, mas que não me custa nada repetir, a burocracia é o formalismo das Federações Estaduais e da Confederação apontada aos neófitos professores e aos ingênuos judocas, como a máxima organização possível do Judô. Ou seja, a suposta máxima organização é o poder da Confederação, corporação particular fechada em si mesma. A Confederação encerrada na Confederação.
Autoritária, despótica, renegada dos preceitos de Jigoro Kano. Diante dos interesses dessa corporação e do interesse particular dos burocratas de plantão, o interesse geral dos professores de Judô e dos judocas não pode ser mais que o interesse particular da Confederação.
A burocracia, pois, é obrigada a proteger a generalidade imaginária do próprio interesse particular, para proteger a particularidade do suposto interesse geral sob o qual tem ocultado seus mais nefastos interesses. Os burocratas usam os supostos interesses da Confederação e das Federações como biombo a ocultar suas demandas pessoais e seu poder imaginário.

SUPOSTAMENTE SOLIDO!
Na contramão do burocrata de plantão, vale conferir o que disse o Oráculo: tudo o que é solido se desmancha no ar. Portanto, sigo arengando e assumindo o risco do paradoxo ao afirmar que a burocracia representa a negação do princípio confederativo na medida em que nega a liberdade de expressão e de participação republicana na escolha de seus dirigentes.
A burocracia transforma seu interesse subjetivo em sua própria existência. A burocracia se transforma em Confederação. A burocracia é a Confederação enquanto poder majoritário. Ao usar a Confederação como técnica de alpinismo social, os burocratas praticam aberta e francamente o abandono e a traição aos princípios originários do judô.
Enquanto fenômeno incontornável na cidade do capital, a supressão da burocracia só é possível quando o interesse geral dos que fazem o Judô no Brasil for transformado em interesse particular dos judocas. É um deslumbramento inominável acreditar que a burocracia se autotransforma e que, portanto, será capaz de colocar os interesses coletivos dos Sensei e dos judocas sobre os próprios e nada democráticos interesses.
É uma ilusão avassaladora predicar o uso do poder confederativo para atender as demandas de todos aqueles que fazem o Judô neste país, notadamente, porque o objetivo de uma Confederação na Sociedade do Espetáculo está reduzido por completo aos interesses da classe social dominante e das multinacionais que subvencionam campeonatos, viagens, estágios nacionais e internacionais e outros penduricalhos monetários.
Queiram ou não, saibam ou não, na cidade do primado do capital sobre o trabalho o espetáculo se sobrepõe aos Princípios do bem-estar e dos benefícios mútuos imprescindíveis à afirmação do Judô como Método de Educação física, Intelectual e Educação Moral.
Porém vale considerar que nos dias de hoje não há nobreza, não há honra, mas apenas apatia política e a suja covardia. De modo que é um verdadeiro e estranho paradoxo pensar que as mesmas pessoas podem ser corajosas e limpas no judô e sujas e covardes na sociedade!
Assentado em determinado código de ética não existe o homem ou a mulher mais ou menos limpo e nem o mais ou menos sujo, mesmo porque não existe o judoca mais ou menos.
Neste quadro se o judô é a justaposição de duas palavras japonesas, Ju (suavidade, não resistência, ensinamento, saber) e Dô (via, meio, caminho, vereda à consecução do saber fazer, sentir, pensar), então, literalmente, ele é o meio, a via que conduz o judoca ao respeito e benefícios mútuos ainda muito distantes dos conteúdos ensinados no e pelo judô praticado neste país.
É como penso! Se estiver errado, por favor, aceito consertos e reprimendas!



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