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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

MÁURI DE CARVALHO; ARTIGO.


Revoltado com uma situação que considero desonesta, proveniente de tudo aquilo que realmente uma filosofia bem empregada das Artes Marciais condena, resolvi pedir para que meu amigo/irmão/camarada Máuri de Carvalho escrevesse sobre, já que eu não tenho a mesma capacidade que o mesmo, mas como eu, sei que comunga da mesma indignação contra aqueles que fazem crianças em plena fase de crescimento, perderem peso de forma agressiva e brutal para seus organismos, apenas para conseguirem medalhas, conquistas efêmeras, breves, logo esquecidas, mas que deixarão sequelas físicas e pisíquicas para toda vida.
Leiam abaixo o excelente artigo do Doutor Máuri de Carvalho:




JUDÔ: ENTRE A EDUCAÇÃO E A ABERRAÇÃO
Máuri de Carvalho

Professor de Judô e de Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. Doutor em Filosofia e História da Educação – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Pós-Doutorado em Filosofia e História da Educação – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Pesquisador vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação Brasileira – HISTEDBR da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.


INTRODUZINDO A POLÊMICA

Enquanto profess
or de judô e acadêmico gostaria de me manifestar sobre um fenômeno hediondo que vem acontecendo no judô brasileiro com alguma freqüência que desafia o bom senso e o compromisso dos professores de judô e pais com o desenvolvimento integral dos seus alunos e filhos.
Na verdade, penso que tal fenômeno poderá se tornar-se recidivo ser apontado como um caso de polícia, pois se trata da promoção do abuso de crianças para afirmar as academias no cenário estadual, regional e nacional, ou, simplesmente, para manter o emprego de professores incompetentes que só se sustentam na profissão com o sacrifício dos infantes.
Estou falando do hediondo fenômeno da perd
a de peso forçada de crianças, estou dizendo crianças ainda em estágio de crescimento e desenvolvimento, tanto física quanto intelectualmente. Tais crianças são ensinadas desde cedo que a vida é uma eterna trapaça à medida que ela por intermédio

Que homens estamos querendo formar com o judô, corruptos, mercenários, trapalhões, imbecis para quem o competir e o levar vantagem em tudo é o sacrossanto objetivo a ser alcançado? de um artifício prejudicial à sua saúde pode competir numa categoria logo abaixo da sua, para tanto basta perder uns quilinhos que serão repostos depois da pesagem.
É preciso apontar sobre qual concepção de mundo e de educação os professores de judô agem: será que para eles o judô enquanto educação é um instrumento no jogo da reprodução das idéias dominantes de uma época, reprodução do modo de vida da burguesia; ou será que para eles o judô é um lócus pedagógico onde
podem e devem circular idéias voltadas à resolução das contradições materiais e sociais da sociedade brasileira?
E por que perguntamos? Porque diante dessa ambigüidade, o judô como meio de educação é indispensável à transformação estrutural da sociedade brasileira.
Postas as primeiras palavras, penso que competições infantis nas quais crianças são tratadas como adultos em miniaturas, foram / são determinada por decisões políticas que agridem o pensamento de Jigoro Kano Sensei para quem o judô deveria assumir a condição de Seyrioku no’zenyo kokumin taiku, isto é, um Método Nacional de Educação Física voltado para o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos judocas.
Ignorando o espírito do judô assentado por Kano Sensei, os arquitetos de competições infantis e os que preparam crianças par
a competirem como pequenos gladiadores colocando em risco sua integridade orgânica e deformando seu desenvolvimento intelectual, a rigor, é uma gente que faz uso da mais absurda troca de favores parta na mais dantesca ignorância.
A competição infantil. Bem este tipo de evento não leva em conta o desenvolvimento morfofisiológico, o desenvolvimento do caráter e a formação técnica das crianças. Evidente que a introdução precoce das crianças no mundo da competição (mundo dos adultos que na cidade do capital são, grosso modo, frustrados) é uma forma

Tenho um filho com 20 anos de idade, faixa marrom, e uma filha com 15 anos, faixa laranja, como pai, ex-atleta e professor de judô, jamais fui convidado pela federação à qual meus filhos são federados para participar de uma reunião entre pais e professores de judô para discutir dois problemas cruciais ao desenvolvimento da personalidade infantil: (1) a competição precoce e (2) a absurda redução de dizer a elas, as crianças, uma grosseira mentira, que a competição é um aspecto inerente da (suposta) natureza humana, enquanto, de verdade, usam o judô tornado competitivo como meio para incutir desde muito cedo, na criançada, a desregrada regra que rege as sociedades capitalistas. Vale a máxima: o trapaceiro é educado na trapaça ainda em idade precoce.
hídrica e eletro
lítica ou redução forçada do peso de determinadas crianças para se inscreverem numa categoria abaixo. Este um gesto de trapaça que deveria ser repudiado por pais, professores e dirigentes, mas ao que consta encontra guarida nestes três seguimentos, pois o que importa é: vencer ou vencer!
É um erro escandaloso dizer que a crítica sobre as conseqüências negativas da competição precoce não acrescenta nada à medida que, supostamente, não teria suporte na pratica e na teoria.
Ora, considerar que a crítica nada acrescenta é assumir um tipo de compreensão s
obre a questão da teoria e da prática, com a qual se procura apontar a crítica, toda crítica, como abstração sobre o nada, o vazio, no melhor das hipóteses, sobre o imaginado, enfim, é demonstrar nada saber sobre o judô.
As críticas elaboradas pelos acadêmicos que conheço, bom dizer que todos ligados ao judô antes de serem acadêmicos, portanto, vivenciaram a prática social do judô, têm por base relações sociais objetivas praticadas no interior do Do-jô. A meu juízo, todos eles entendem que a crítica séria e fundamentada à competição precoce incomoda, informa e suscita mudanças. Portanto, deixar de criticar é afirmar o que está posto como inexorável.
Um educador que se preze tem a teoria construída a partir de sua própria prática na sociedade e no interior do “do-jô” como ferramenta indispensável ao ensino do savoir-faire, da história e dos fundamentos filosóficos legados a todos nós pela milenar cultura japonesa e pelo Shihan Jigoro Kano Sama. Sem teoria crítica não há prática crítica. Sem teoria não há judô, mas apenas um amontoado sem nexo de técnicas de projeção, imobilizações, etc., sem origem, sem causa, sem fundamento.

A ABERRAÇÃO NO JUDÔ

É lamentável dizer, embora fosse esperado, mas a era do judô em que vivemos é o momento dos dirigentes que se refestelam com as migalhas legadas e atualmente lançadas por dirigentes inescrupulosos.
Estudos revelam a presença no judô da prática de perda de peso em judocas infantis e adolescentes, embora esses mesmos estudos não considerem a possibilidade de exercitarem a crítica a tais práticas certamente negativas ao crescimento e desenvolvimento dos judocas.
O modelo de competições infantil no judô adotado neste país e que divide os participantes em categorias de peso abre a possibilidade da prática de diminuição de peso como burla ou trapaça para
fazer com que uma criança entre 09 e 10 anos de idade do sexo masculino com 52,5 quilos de peso corporal total, portanto, na categoria pesado, participe, com a redução
forçada de 2,5 quilos, da categoria meio pesado. A burla, a trapaça ocorre quando esta criança retorna ao seu peso inicial e participa da categoria inferior.
Sem medo de controvérsia é possível considerar que esse modelo é potencialmente danoso para o desenvolvimento global das crianças. Neste caso vale a pergunta: por que os responsáveis, pais, professores e dirigentes permitem tal prática e não propõem tomar uma atitude que não apenas minimize, mas, sobretudo, erradique de uma vez por todas as condutas deste tipo pouco saudáveis e que em nada contribuem para o crescimento e desenvolvimento sadio dos infantes.
A prática da perda de peso forçada em crianças e adolescentes no judô, guardadas as proporções, é verossímil à um estado de desnutrição, neste caso, segundo Golden (1997), citado por Lololo,Cazetto e Montagner, a desnutrição produz um impacto negativo “no crescimento linear, ósseo e cerebral que pode causar danos irreversíveis. O autor ainda ressalta que adolescentes são mais vulneráveis a distúrbios alimentares e às suas complicações” (LOLLO, P. C. B., CAZETTO, F. F. e MONTAGNER, P. C. Aspectos nutricionais da competição de judô em crianças e adolescentes. Departamento de

Há mais ainda. Anos atrás escrevi um artigo intitulado Judô: crítica radical, publicado na Revista Motrivivência, no qual encimado em pesquisas sérias, afirmei que durante atividades físicas intensas, particularmente em dias quentes e úmidos, grandes quantidades de água e eletrólitos eram perdidas pelo corpo através da transpiração, e se a perda hídrica não fosse reposta, poderá provocar desidratação com sérias conseqüências fisiológicas para o desidratado.Ciências do Esporte Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Disponível em http://www.efdeportes.com/efd74/judo.htm. Acesso em 12 de novembro de 2011).
Mais de vinte anos depois, correndo na contramão dos achados científicos a desidratação forçada de atletas e crianças (um caso de denúncia ao Conselho Tutelar e ao Juizado da Infância) tal prática está se tornando usual no Judô como resultado da perda irracional de peso em crianças antes da pesagem para competições. Há evidências científicas que afirmam que essa perda exerce influência negativa sobre a potência muscular (reduzindo-a), diminui o consumo máximo de oxigênio, especialmente quando há restrição alimentar (perda de peso e / ou desnutrição); diminuição do volume plasmático e sanguíneo; redução da função cardíaca durante atividade submáxima; deterioração da termorregulação; diminuição do fluxo sanguíneo renal e do volume de fluido filtrado pelos rins e aumento da quantidade de eletrólitos pe
rdida pelo organismo.
A desidratação provocada pela alta sudorese guarda ainda estreita relação, em primeiro lugar (na sua forma simples), com a redução da capacidade física e perturbação da contração muscular, e, em segundo lugar (na sua forma aguda), resulta em instabilidade circulatória que poderá alterar o funcionamento cardíaco diminuindo o fluxo sanguíneo cerebral resultando em lipotimia (perda brusca de consciência, desmaio).
Mesmo diante de todas as evidências calçadas no conhecimento científico a prática de redução forçada do peso corporal de crianças como condição de sua participação em competições de judô tornou-se perigosamente usual e fraudulenta, pelos motivos expostos acima. O judô foi transformado em espetáculo competitivo propiciando entre outras coisas o contato dos professores com a nutrição. Acontece que professores portadores de certo conhecimentos científicos incorporaram informações não científicas, imprecisas e danosas ao organismo infantil.
Vinculados a política do levar vantagem a qualquer custo, desconhecem ou fecham os olhos às conseqüências do uso dessas imprecisões científicas, eis
que, ao contrário, saberiam que a nutrição balanceada e sem restrição é indispensável ao bom andamento do processo fisiológico / metabólico da criança, não podendo esse processo ser submetido e sacrificado em ara aos interesses escusos e mesquinhos de professores e dirigentes oportunistas egoístas que atuam diária e diretamente com judocas infantis.

CONSIDERANDOS FINAIS

A competição é marco teórico paradigmático da sociedade capitalista, cujo fundamento é a dinâmica infra-estrutura econômica. A competição está disseminada nas demais atividades, chegando mesmo a impregnar as relações amoras e amigáveis, e todas as relações sociais. Destarte, sob a égide de lucro a qualquer custo a competição tornou-se um problema para todos na cultura capitalista, e não raro tornou-se foco incontornável de conflitos.
Estudos demonstram que a participação precoce em competições, quando o valor da vitória é exacerbado dando-se no em um ambiente cheio de contenções morais e de abominável temor pelo possível fracasso, torna-se um óbice à elaboração madura de situações críticas da vida e paralisação ritualizada e inconseqüente da gênese do pensamento dialético. Mais ainda. Conduz as crianças à imobilidade e ao bloqueio da integração da personalidade, resultando em perda da autonomia e da serenidade alcançadas quando a realização pessoal é conseqüência do exercício da liberdade real, ou seja, da equânime relaçã
o social estabelecida entre os homens (MOFFAT, A. Psicoterapia do oprimido. São Paulo: Cortez, 1984).
Se o conhecimento da área biológica (fisiologia e nutrição) é relevante para o professor compreender como acontece o crescimento e desenvolvimento de crianças que praticam judô, não menos relevante é o estudo e a compreensão das determinantes políticas e econômicas que manipuladas por alguém sem escrúpulos se sobrepõe à saúde física e mental na prática do judô que deveria ser saudável, mas que se torna perniciosa à criançada nela envolvida.
Se o conhecimento sobre nutrição é de grande valia para o desenvolvimento do processo educativo no judô cujo objetivo deveria ser a máxima de Jigoro Kano, Seiryoku-zen’yo-kokumin-taiiku, então o conhecimento apurado sobre a história, filosofia e pedagogia é da máxima importância à formação do professor cuja prática pedagogia deveria estar direcionada à implicação do judô como método de educação física baseado no princípio da eficácia máxima, da prosperidade e benefícios mútuos. Tal método estaria direcionado à formação física, intelectual e, sobretudo, moral, ou seja, o objetivo é o desenvolvimento multifacetado dos judocas desde a mais tenra idade.
Neste quadro ter-se-ia somados aos efeitos benéficos da atividade física e da alimentação saudável a intelectualização dos judocas como importantes alimentos intelectuais. Esta soma é o suporte necessário a formação do guerreiro moderno por intermédio do judô.
Por fim, é urgente a feitura de uma nova modelagem de torneios e campeonatos de judô para crianças na qual o alvo deve ser a experimentação e a confraternização. Experimentação significa colocar em prática ou testar o que foi ensinado / apreendido nas aulas de judô e desprovido do caráter competitivo estimulado por professores ineptos. A confraternização ou Bonenkai ou um Shinenkai, o primeiro é um evento de encerramento do ano no qual são comemoradas as realizações individuais e, especialmente as coletivas, enquanto o segundo é um evento que acontece no início do ano realizado para dar boas vindas ao ano que chega e comemorar o reencontro com os amigos.
Todavia, considero que essa nova modelagem será eficiente como meio de democratização da prática do judô, fortalecimento dos laços de amizade e, mormente, resgate do judô como importante meio de educação ética e estética e formação intelectual de todas as pessoas ligadas a esta arte de enfrentar criada por Jigoro Kano Sama.

Um comentário:

  1. Boa noite! Tive o prazer de conhecer, Mauri de Carvalho, pois passamos algum tempo de nossas vidas, convivendo quase que diariamente, na Academia de nosso amigo Prof. "Gaúcho", onde tínhamos uma relação muito próxima, e uma coisa que sempre o admirei foi na retidão de seu caráter. Homem de personalidade forte, não se deixava levar por assuntos mesquinhos, sempre defendendo suas convicções com afinco, mas sempre de maneira educada. Um homem que sempre buscou o conhecimento acima de tudo, trazia no esporte o equilíbrio para seu corpo e mente. Mauri um entusiasta pelo Judô, diga-se aluno do Grande Sensei "Georges Mehdi",portanto participante de um seleto grupo de Judokas, que tiveram o privilégio de serem alunos desta Lenda viva, que é o Sensei. Mauri também era um esforçado atleta do Levantamento de Pesos, onde buscava sempre progredir em suas marcas pessoais. Deixo aqui o meu grande abraço a ele, esperando sempre a oportunidade de revê-lo, forte abraço, meu querido.
    Kleber Pereira

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